Valdir Steuernagel
Na hora em que Pedro chegou em casa naquele dia, sua esposa viu que algo extraordinário havia acontecido. Antes mesmo que ele dissesse uma palavra, seu olhar e a expressão do rosto já revelavam que se tratava de algo forte e inusitado. “Você não imagina o que aconteceu!” -- ele foi dizendo. E ela já sabia que isso significava muito mais do que uma boa pescaria. “A pescaria foi um desastre! Mas aí, sabe Jesus, aquele pregador novo sobre o qual andam falando? Quando íamos lavar as redes, todos de mau humor, ele apareceu e nos mandou ir pescar novamente.” “E você foi?” -- ela tentou entrar na conversa. Porém, ele já explicava que, sei lá por que, quando se deu conta, já estava embicando o barco novamente para o lago. “E deu nisso aí!” -- disse, apontando para o cesto cheio. Na verdade, ela nem lembrava quando foi a última vez que ele trouxera tanto peixe bonito para casa. Entretanto, hoje isso nem parecia muito importante.
O mais importante mesmo estava por acontecer. E Pedro continuou, empolgado: “O pregador começou a falar de um outro tipo de pescaria e nos desafiou a andar com ele. Fez até um trocadilho, dizendo que deixaríamos de ser pescadores de peixes para ser pescadores de gente. Depois disse que era importante buscar a grandeza, a realidade e a esperança do reino de Deus...”. E ele, Pedro, mesmo sem entender tudo o que tinha ouvido, ao olhar nos olhos de Jesus percebeu que sua vida estava mudando naquele instante. E agora, olhando nos olhos da mulher, percebia o quanto ela estava assustada. Antes que ele terminasse a história ela já intuía que a vida deles iria sofrer uma reviravolta radical, o que se confirmou quando ouviu o marido dizer: “... e eu já falei para pai arrumar outra pessoa para tocar o barco, pois eu vou me juntar ao grupo que vai andar com Jesus”. “O que foi que você fez?” -- ela ainda balbuciou, enxugando uma lágrima que insistia em molhar seu rosto, em um disfarçado esforço de mostrar aos dois pequenos, agarrados às suas pernas, que estava tudo bem.
A vocação precisa se materializar em ação!
Há nos Evangelhos diversos textos que relatam como Jesus chamou um grupo de discípulos para andar com ele. Nesta edição nos detemos em Marcos 3.13-19, onde se vê como o grupo é formado e a vocação delineada. Hoje lemos esses textos com uma naturalidade desconcertante e perdemos de vista não só a novidade do fato como as consequências do chamado de Jesus. Cada um dos que foram chamados tem uma teia de relações à qual precisam voltar e se explicar. Cada um deles tem uma forma de viver, inclusive de sustento familiar, que precisa ser equacionada e reorientada rumo a um futuro que é, ao mesmo tempo, uma promessa e uma incógnita. Pedro é um dos que “arrastaram seus barcos para a praia, deixaram tudo e o seguiram” (Lc 5.11). A vocação precisa ser colocada em prática. É assim que ela adquire contornos de obediência.
A vida de Pedro e sua família nunca mais foi a mesma depois do encontro com Jesus. Não se sabe exatamente o que aconteceu com eles, mas Paulo diz que Pedro levava a esposa em suas andanças missionárias (1Co 9.5) e a tradição nos conta que ele morreu crucificado em Roma. Segundo o filósofo cristão Orígenes (185-253 a.C.), ele pediu para ser crucificado de cabeça para baixo e foi atendido. Os Evangelhos dão informações significativas sobre ele e mostram como a sua vocação foi se traduzindo em obediência rumo à “plenitude de Cristo”.
Desde o dia em que foi chamado até a crucificação de Jesus, Pedro parece ter brigado com essa vocação e com a forma como Jesus entendia o seu próprio ministério. Mesmo tendo andado com Jesus, foi no contexto da crucificação que ele percebeu claramente o que o Mestre havia dito e proposto fazer, e para quê ele havia sido chamado. É diante da crucificação que ele se depara com a sua maior vulnerabilidade e fraqueza; e é diante do enigma da ressurreição que ele parece sucumbir à tentação de voltar ao seu antigo mundo. Durante todo esse tempo Pedro se revela, ora como um esfuziante seguidor de Jesus, ora como seu questionador. Chorando, vive na cruz a vergonha de havê-lo traído. E, ao olhar para ele, vemos a nós mesmos em nossas “bipolaridades espirituais”, nas quais nos enrolamos nas curvas da nossa obediência vocacional, ora querendo conquistar o mundo para Cristo, ora escondidos nos emaranhados das nossas prioridades, respostas e becos sem saída.
Mas a história de Pedro não acaba assim. Quando isso parece ter acontecido e ele, acabrunhado, encontra-se novamente com as redes vazias (Jo 21), é Jesus quem vem de novo ao seu encontro. Enche-lhe a rede de peixes, convoca-o novamente para segui-lo e lhe faz uma nova pergunta, que afinal é a pergunta fundamental: “Simão, filho de João, “tu me amas”?” E assim começa um novo capítulo em sua vida. Quando ele balbucia uma resposta e diz “Senhor, tu sabes todas as coisas e sabes que te amo” (Jo 21.17, 18), sabe que nunca mais será o mesmo. Agora o seu vínculo de obediência a Jesus passa pela declaração de amor. Uma declaração de amor que se transforma em obediência pastoral e missionária quando Jesus lhe diz: “Cuida das minhas ovelhas” e “Vai e faze discípulos”. Agora Pedro está vocacionalmente diplomado, pois sabe que ama de fato aquele que o chamou para segui-lo e ser dele. Como diz Walter Wangerin, a obediência é a nossa expressão de amor a Deus. Você sabia disso?
• Valdir Steuernagel é teólogo sênior da Visão Mundial Internacional. Pastor luterano, é um dos coordenadores da Aliança Cristã Evangélica Brasileira e um dos diretores da Aliança Evangélica Mundial e do Movimento de Lausanne.
Fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/337/e-obedecendo-que-se-aprende-a-obedecer
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